sábado, 2 de junho de 2012


Fig.1 Casa Beires



A Casa Beires, obra a seguir analisada, foi encomendada pelo Major Carlos Machado de Beires e projectada pelo arquitecto Álvaro Siza Vieira. A sua construção foi completa a 1976, na Póvoa de Varzim, 3 anos após o início da sua concepção. 




1.contexto de intervenção e resposta projectual

Quando me encarregaram do projecto disse para mim mesmo: outro terreno horrível!” [1] Álvaro Siza Vieira

            Numa primeira visita ao terreno Siza sentiu-se desiludido com o aborrecimento do lote que lhe era apresentado. Este nada mais era que um rectângulo de 17m x 30m, que não prometia á partida o desenvolvimento de um qualquer projecto minimamente interessante. A área envolvente, que se desenvolvia em lotes semelhantes sob a forma básica de um paralelepípedo, era também pouco ou nada apelativo. Simultaneamente a um descontentamento com a área de intervenção surgiam as imposições e vontades da família. Esta tinha em mente uma casa-pátio, desenho que se incompatibilizava com o tamanho do lote.
            Contudo, nesta mesma visita ao terreno o arquitecto fez um desenho espontâneo, livre, sem qualquer crença de que aquele projecto viria a ser construído. Verdade é que esse primeiro esquisso satisfez de imediato a família e o projecto tornou-se realidade, contrariando as expectativas.
O projecto responde com um desenho peculiar e único à estandardização maçuda evolvente. Também conhecida por “Casa Bomba”, esta tem uma forma muito peculiar: trata-se de um cubo, no qual uma das arestas dá a sensação de estar em ruinas, como se tivesse ali sido implantada uma bomba que, consequentemente, tivesse explodido.




“A simulação da destruição parcial de uma das partes da casa pela explosão imaginária de uma bomba”[2] Lord Byron
A “explosão” dá origem a um pátio-jardim em volta do qual se desenvolve a casa. Este, localizado na frente voltada para a rua pública, caracteriza-se por ser um espaço de transição e articulação interior-exterior, privado-público. 
“As janelas a norte, mais iluminadas à tarde, estabelecem a harmonia que Siza pretendia”3


2.lógica funcional e espacial da planta que melhor representa o projecto

Fig.2 Planta 2º piso

 A planta escolhida representa segundo piso da casa. É visível a não-ortogonalidade e irregularidade das paredes definidoras de espaços, que resultam de uma rotação segundo direcções da fachada explodida. Esta planta opõe-se, por estas características, à do piso inferior. Este piso alberga o programa de cariz mais privado: a suite do casal; dois quartos e duas instalações sanitárias. A distribuição é feita por um corredor que ganha personalidade própria e uma ideia de ritmo, pelas paredes curvas e pela sua dimensão variável. Os quartos e a suite desenvolvem-se para o lado da fachada principal da casa, abrindo-se assim em anfiteatro para o pátio, tal como acontece com parte do programa do piso inferior. Esta ligação faz-se através de uma varanda contínua que liga o programa e que adquire, também ela, um desenho irregular. Num ponto específico em que o desenho da varanda é um subtilmente recolhido, é criada uma ligação visual com a sala principal do piso inferior, cujo tecto é, neste ponto, envidraçado(5).



“É um projeto com detalhes muito complicados.”[3] Siza Vieira



A junção destas variáveis dá origem a uma habitação “onde nada é casual, repetitivo ou convencional”[4].





            3. Lógica funcional e espacial do corte que melhor representa o projecto


  Fig. 3  Corte A-A’
                                                                 
No corte escolhido estão representados, no piso superior a antecâmara da suite e no piso inferior o hall de entrada e a sala de jantar. É então possível compreender de que forma é feita a distribuição do programa. No piso inferior, aquele por onde se entra na casa, localizam-se os espaços de cariz mais público e de lazer. No piso de cima encontra-se o programa com um carácter mais íntimo, mais privado. A ligação física entre estes é feita através das escadas representadas.
Os dois níveis, que apresentam plantas muito distintas, têm em comum o facto de estarem voltados para o mesmo pátio-jardim, reforçando ainda mais a importância deste. É nesta ligação com o pátio que se verifica também a única relação visual entre pisos(5) (excluindo aquela que acontece nas escadas).





4. Aspectos do projecto mais próximos do movimento moderno
Usando o cubo, exemplo da rigidez geométrica característica de uma arquitectura moderna, como base para o desenho da obra, esta aproxima-se aparentemente de uma arquitectura racionalista, caracterizada pelo uso de formas geométricas simples e ortogonais. Podemos ter como exemplo de uma arquitectura racionalista obras como a Ville Savoye de Le Corbusier (1928, França), ou mesmo a Casa Aristides Ribeiro (1949-50, Porto) do arquitecto português Viana de Lima. Esta aproximação pode ser também verificada aquando do uso da cor, amarelo, roxo e negro no exterior e cores semelhantes entre si e suaves no interior, e do detalhe construtivo como substitutos de uma ornamentação sobreposta, supérflua. Esta sempre repudiada por aqueles que rejeitavam os estilos históricos e defendiam a arquitectura limpa e “branca” [“(…) por lei, todos os edifícios deviam ser brancos.”, Le Corbusier], que não mais seria do que “o jogo sábio, correcto e magnífico dos volumes dispostos sob a luz”, Le Corbusier.
A densidade de significados e a complexidade de formas que abunda nesta obra permite que esta seja, de alguma forma, relacionada com a obra e pensamento de vários arquitectos do Movimento Moderno. Como por exemplo Robert Venturi, defensor daquilo que é sem verdadeiramente ser, Aldo van Eyck, cuja obra se caracteriza pela riqueza de formas diferentes.
Siza Vieira viu no desenvolvimento deste projecto uma oportunidade para, ironicamente, se questionar a si próprio, questionar a sua obra e questionar a arquitectura moderna em geral. Assim, e numa analogia claro ao estranhamento de Marcel Duchamp, a obra, impregnando-se de uma forte motivação conceptual, causa naquele que a vê sem verdadeiramente olhar para ela uma sensação imediata de estranheza.  O que aos olhos de toda a gente é uma casa estranha, feia, e nada apelativa, torna-se símbolo ideia muito mais profunda a ela mesma.


5. Aspectos do projecto mais distanciados do movimento moderno
É fazendo “explodir” uma das arestas deste mesmo cubo que o projecto acaba por afastar-se da ideia de arquitectura moderna, racionalista e funcional. Esta “explosão” virtual, representação de uma ideia pessoal, interior ao indivíduo inquieto consigo mesmo, torna-se a razão de ser do projecto, aquilo que lhe confere uma identidade própria. Também podemos referir a parede do alçado norte, que se prolonga para além da cobertura, sem qualquer carácter funcional, servindo apenas para reforçar a presença daquele volume. Esta predilecção por um carácter conceptual, em detrimento de um carácter funcional (defendido fortemente pelo arquitecto modernista americano Louis Sullivan) afasta esta habitação unifamiliar de certos princípios do Movimento Moderno.

“A forma segue a função.” Louis Sullivan







Bibliografia

CORREIA DE CARVALHO, António José Olaio – O campo da arte segundo Marcel Duchamp. Departamento de arquitectura da faculdade de ciências e tecnologia da universidade de Coimbra, 1999

El croquis, Álvaro Siza 1958/1994 nº 68/69. S.I.
FACULDADE ASSIS GURGACS [on line] [consultado em 20 Abril 2012] www.fag.edu.br/graduação/arquitectura/.../2005/trabalho_alvaro.pdf
FERNANDEZ, Sérgio – PERCURSO Arquitectura Portuguesa 1930/1974. Edições da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, s.d.
GARCIA RAMOS, Rui Jorge – Arquitectura e Projecto Doméstico na Primeira Metade do Seculo XX Português. FAUP publicações
IMPRENSA NACIONAL DA CASA DA MOEDA – SIZA. S.I
MARQUES DE PAIVA, Rita Ferreira - LUZ E SOMBRA. A estética da luz nas Igrejas de Sta. Maria e da Luz, de Siza e Ando.Dissertação de Mestrado em História de Arte Contemporânea

SIZA VIEIRA, Álvaro – Memória Descritiva Projecto. Porto, 1972
SIZA VIEIRA, Álvaro – Memória Descritiva Projecto. Porto, 1973



















[1] ”Cuando me encargaron el proyecto de la casa Beires me dije: ¡outra parcela horrenda!” Entrevista a Álvaro Sizaen Bauwelt, 29/30, 1990.


[2]MARQUES DE PAIVA, Rita Ferreira - LUZ E SOMBRA. A estética da luz nas Igrejas de Sta. Maria e da Luz, de Siza e Ando.Dissertação de Mestrado em História de Arte Contemporânea
[3] ”Es un proyecto com detalles muy complicados”. Entrevista a Álvaro Sizaen Bauwelt, 29/30, 1990.

[4] CORREIA DE CARVALHO, António José Olaio – O campo da arte segundo Marcel Duchamp. Departamento de arquitectura da faculdade de ciências e tecnologia da universidade de Coimbra, 1999







Trabalho de Síntese Final | UC Geometria


Painel 1
 

Painel 2
Painel 3


Painel 4
Painel 5



Painel 6